segunda-feira, 19 de abril de 2010

SE DISTRAIA


"Uma vez, no recreio, comendo um Bis derretido...vi minhas amigas trocando papéis de cartas, vi uns meninos correndo de testa suada, vi uma professora caminhar como alguém que pensava em alguém que ela encontraria no final do dia, vi tudo isso como se não pudesse ter, ver, ser. E se eu ficasse louca?...Se eu ficasse louca tudo isso seria o quê? Pra onde iriam os materiais e as pessoas e o amor? E se eu ficasse louca? Existe louco em casa? Mãe ama os loucos? Louco tem amigo? Louco tem livro? Louco começa e não para mais até acabar? Louco uma vez, louca pra sempre? Converse. Respire. Pense em garotos. Pense em xampus. Vamos. Não fique louca. Mude de assunto. Pense na menina mais bonita do mundo e odeie. Dê nome pra loucura que ela deixa de ser. Sinta dor com nome que assusta menos. Caia na aula de educação física, rale o joelho, sangre, dói menos. Desembarace os cabelos e sinta que problemas se alisam. Faça o papel do Bis virar um barquinho. Isso. Conte uma piada. Se os outros rirem bastante a sua estranheza pode ser amada. Qualquer coisa menos loucura. Pense naquela música da rádio. Não, você não está triste. Uma fofoca e pessoas em volta. Vá até o banheiro retocar o batom de moranguinho...Os outros. Olhe. Os outros. Vamos. Que data mesmo? Da guerra. Que data? Qualquer coisa. Menos louca. O hino. Sujou um pouquinho da meia. Limpinha. Dê nome aos problemas. Problemas com nomes são problemas e não loucuras. Sempre evitando que ela saia. Sempre segurando. Não caia dura no meio do mundo. Não se chacoalhe no meio do pátio. Não vomite só porque sei lá o que é isso impossível de digerir e nem quero saber. Não abrace sem fim porque é preciso sentir o vento com o peito sozinho. Terrível mas tem banho quente pra distrair. Não espanque, não soque, não chore... não arranque a língua, não grite, não acabe. Siga. Sorria. Mais uma prova. Mais uma festa. Mais um garoto. Sempre um pavor escondido mas nem era nada disso. Sempre uma tristeza abafada mas nem era nada disso. Sempre uma alegria exagerada que ninguém acolhe e o silêncio depois, fazendo curativos na pureza criando cascas. Um dia você será. O quê? Normal. Um dia você será. Normal. Um dia. Enquanto isso, se distraia como a professora que ama, as crianças que trocam papéis de cartas, os garotos que correm. Eles estão se distraindo também e pensando “olha, uma menina comendo Bis”.

Umbeijoprosloucos!

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